A palavra como "arma mortífera"

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Letras. Harold Pinter morre aos 78 anos

Dramaturgo britânico fora galardoado com o Nobel da Literatura em 2005

Nome maior da dramaturgia da segunda metade do século XX, cuja trajectória versou os campos da interpretação e da encenação, da poesia e do ensaio, do guionismo de cinema e televisão e da intervenção cívica e política, Harold Pinter mor- reu em Londres, aos 78 anos, vítima de um cancro no esófago que lhe fora diagnosticado em 2002.

A sua última aparição pública, marcada para um dos lugares onde tudo começou, já não foi possível: no início do mês, o Prémio Nobel da Literatura de 2005 vira-se obrigado a declinar um convite para estar presente na homenagem que uma das escolas que frequentou - a Central School of Speech and Drama (CSSD) - lhe preparara. A derradeira despedida deu-se na quarta-feira, véspera de Natal.

Mestre no uso das palavras como "armas mortíferas", em palco e na vida, Harold Pinter deixa um legado de mais de 30 peças de teatro cuja influência cedo transcendeu as fronteiras do mundo anglo-saxónico. Multi-traduzido e multi-encenado, fez a sua estreia comThe Room, em 1957, o mesmo ano de The Birthday Party, trabalho que, mal recebido na origem, acabaria por se transformar, com o tempo, numa peça de eleição para inúmeras companhias.

Formado pela Royal Academy of Dramatic Art (em 1948) e pela CSSD (em 1951), iniciara-se no teatro como actor, sob o nome artístico de David Baron. Elegendo a atmosfera de Kafka e de Beckett como principais influências do seu trabalho, a experiência da guerra marcá-lo-ia também profundamente, a título pessoal e profissional: nascido em Londres, a 10 de Outubro de 1930, de pais judeus, viu a infância bruscamente interrompida pela eclosão da II Guerra Mundial. Objector de consciência ao chegar à maioridade, diria mais tarde que a experiência dos bombardeamentos foi fulcral na escolha do teatro como caminho a seguir.

A singularidade do seu olhar - trabalhando temas matriciais como o poder, a verdade, o mal ou o vazio da existência - faria dele um dos raros criadores contemporâneos que viram o seu nome definir um estilo, assim nascendo o adjectivo"pinteresco".

A sua produção, que se estendeu ao teatro radiofónico, versaria também a televisão e o cinema, designadamente ao lado dos realizadores Joseph Losey e Paul Schrader. Na adaptação de peças de sua autoria (caso de The Caretaker/O Encarregado, com Donald Pleasence e Alan Bates em palco e no grande ecrã, ou de outros autores (como em A Amante do Tenente Francês, com Jeremy Irons e Meryl Streep, a partir do romance de John Fowles).

Politicamente empenhado desde a primeira hora, Harold Pinter intensificara nos últimos anos a sua intervenção nesse plano. Quando, há três anos, a Academia Sueca o distinguiu com o Nobel, afirmara, aliás, a sua intenção de abandonar a escrita para se dedicar exclusivamente à intervenção cívica. Ficaram, de resto, célebres as críticas ferozes que teceu à política externa dos Estados Unidos e do seu país, em particular nos dossiers Afeganistão e Iraque. A rápida progressão da doença impedi-lo-ia, porém, de prosseguir mais activamente esse desejo de intervenção.

"Harold Pinter era um grande homem e, simultaneamente,um grande dramaturgo. Acima de tudo, recordá-lo-ei como um homem de grande generosidade", afirmou, ao jornal britânico The Herald, o seu biógrafo, Michael Billington.

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